terça-feira, 29 de julho de 2014

Maiakóvski. I. Prólogo.



A vós compreender
por que eu,
calmo,
rindo-me com a tormenta
levo num prato a alma
ao almoço dos dias atrás.
Com a face suja das praças
chorada de pranto sem fim
sou,
pode ser,
o último poeta.
Notaram que
bamba
pelas alamedas de pedra
um rosto listrado de tédio enforcado
e que nos rios caudalosos
nos pescoços suados
as pontes torceram seus braços de ferro.
O céu chora
sem parar,
alto,
e na nuvem,
a careta no cantinho da boca,
como se uma moça esperasse um bebê
e deus lhe tacasse um tortinho idiota.
Com dedinhos gorduchos e cabelos ruivos,
o sol os cutuca com a insistência de uma berne –
mira em suas almas um escravo.
Eu, sem medo,
elevei a ira dos raios de sol aos séculos;
com a alma esticada, como nervos de um fio
sou –
o rei das lâmpadas!
Venham a mim
os que quebraram o silêncio,
os que uivaram
ao esquivar-se dos ataques do meio-dia, –
eu lhes revelo,
com palavras simples como mugidos,
nossas novas almas,
zumbindo
como lâmpadas acesas
É só eu tocar-lhes as cabeças com os dedos
E lhes crescerão lábios
para beijos gigantes
e uma língua,
materna a todos os povos.
E eu, com a alma cambaleante,
me recolho ao meu trono
esburacado pelas estrelas no encosto gasto.
Deito,
luminoso,
vestido, por preguiça,
na macia cama de merda natural
e quieto,
com a beijante dormência dos joelhos,
me abraça o colo a correia industrial.

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