domingo, 6 de setembro de 2009

Através do Centeio 1.

por J.D. Salinger, tradução livre minha.


Se vocês querem mesmo escutar, a primeira coisa que vão querer saber é onde foi que eu nasci, como foi minha infância idiota, como meus pais estavam ocupados quando eu nasci e toda essa bobagem tipo “David Copperfield”, mas eu não estou nem um pouco afim de entrar no assunto. Em primeiro lugar porque acho o essa história um saco, e em segundo lugar porque meus pais iam ter duas hemorragias e um ataque cardíaco se eu contasse alguma coisa pessoas sobre eles. Eles são legais e tudo o mais – não estou dizendo isso – mas são discretos para caramba. Além do mais, eu não vou ficar contando toda a porcaria da minha autobiografia. Vou contar sobre essa doideira que me aconteceu no Natal passado um pouco antes de eu ficar mal a ponto de ter que vir para cá e pegar leve. Quer dizer, é isso que eu falei para o DB, e tipo, ele é meu irmão. Ele está em Hollywood, não é muito longe desta porcaria aqui, e ele vem me visitar quase todo fim-de-semana. Disse que me leva para casa no final do mês quando eu sair, pode ser. Ele acabou de comprar um Jaguar, uma daquelas belezinhas inglesas que chega a quase cem por hora. Custou quase quatro contos o carro. Ele tem grana agora, não tinha antes, agora tem. Antigamente ele era só um escritor normal, quando morava em casa. Ele escreveu um puta livro de contos, se chamava “O Peixe Dourado Secreto”, se vocês nunca ouviram falar. O melhor conto era exatamente esse, “O Peixe Dourado Secreto”, e era sobre um molequinho que não deixava ninguém olhar para o seu peixinho dourado só porque ele tinha comprado com seu próprio dinheiro. Achei fantástico. Agora ele está em Hollywood, o DB, se prostituindo. Se tem uma coisa que detesto, é o cinema. Nem me fale, detesto.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Velhinhas cadentes.

de Daniil Kharms, tradução livre minha.

Uma velhinha, de curiosidade ilimitada, foi se apoiar na janela, caiu e se estatelou. Da janela pululou outra velhinha, começou a espiar a que havia caido, e - de curiosidade ilimitada - também foi se apoiar na janela, caiu e se estatelou. Dai pulularam da janela a terceira velhinha, depois a quarta e a quinta. Quando caiu a sexta velha me deu no saco ficar assistindo e fui para a feira, onde estavam dizendo que presentearam a um cego com um xale de lã.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

05-05-2009 – МОСКВА — МАЙ (Moscou – Maio)

do meu diário.
Vou à Moscou. Em maio. Vou à Moscou novamente em maio, e acho que é isso que as ruas comemoram exalando meu perfume preferido: cheiro de chuva fina de fim de tarde que levanta o cheiro doce do chão regado, misturada ao vento praiano, aos sons esplachantes das rodas rápidas sobre o asfalto molhado na Avenida Nevsky e aos modernos painéis eletrônicos da Estação Moskovsky (de onde se pode ouvir uma linda voz feminina anunciando a partida e a chegada dos trens da linha Moscou – São Petersburgo).

Entendo porque é que gosto tanto de Moscou e detesto Petersburgo. Toda cidade possui uma espécie de encantamento – uma magiazinha secreta que age no viajante assim que seus pulmões se enchem pela primeira vez com o ar da cidade e imprime nele a matriz de todas as futuras impressões sobre o lugar. Moscou para mim é maio-soneca escondida na grama dos jardins do Kremlin e o céu azul sem nuvens. À Petersburgo cheguei no inverno.

Fui colocado (como diria Sofia, cada dia uma surpresa) no vagão dos meninos recrutados para o exército. Dá para cheirar o medo em seus olhos. Pequenos, alvos e orelhudos (todos com a cabeça recém raspada) são verdadeiros ratinhos em uniformes enormes. Gritam, se agitam quando o comandante sai para checar outro vagão.

Há uma pista, um rastro não notado pela maioria das pessoas – condensa-se a atmosfera de dominação. Já possível reconhecer e dividir os meninos entre fortes e fracos, apesar disso tudo se passar apenas no primeiro dia. Um fala com a mãe no telefone “é só por um ano – tá sossegado” e reza para que seu meio-chorar não permeie para o outro lado da linha. Outro passa pelos corredores distribuindo docinhos (balinhas de caramelo!) entre os colegas. Fofo.

Tem mesmo um grau fofura estranho neste medo todo, um grau de fofura “filhote-de-cachorro-desmamado” que os olhos dos meninos assumem ao enfrentar o desconhecido de não saber se estarão vivos ao fim do ano.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Meus pulmões e os sinos de Granada.


Por algum tempo acreditei ou melhor me fizeram acreditar que era um deslocado um sem-terra sem-pátria e sem coração que não era normal pelo fato de não me agradarem as coisas que há seculos agradavam à maioria aí com o coração enfadado de tanto sofrer foi que empunhei Lorca e me pus em pé bebendo a pólvora ardente de seus versos que se misturou ao meu sangue e explodiu junto com meus pulmões meus ares meus versos de rebeldia.

--Petersburgo, algum dia de neve em dezembro de 2008.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Vi as três bruxas de Shakespeare esta noite.


As três, tão antigas quanto o tempo
Eram poesias encarnadas na forma de
negros feitiços

dançantes.

e o pranto das bruxas ia até o infinito
como se seus corpos, como fontes,
extraíssem as lágrimas da terra
e as vertessem em mágica harmonia.

--algum momento de 2005, após uma apresentação aos Anfíbios.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Pequena poesia para um par de olhos azuis.


Pequena poesia

para um par
                        de olhos
azuis
que não merecem    uma
                                                estrofe
                                                               sequer.

De novo,
                  a espera
interminável de sua vinda

- furtiva, secreta -
            no                     meio    da      noite.

Mata-me logo com essa tua tortura
                                                                    animal,
 de dizer que vem

                                   - e não vir nunca.

Me abre buracos na alma,
que vão
                 matando
                                   lentamente
de febre fria,
                           cólera e tremor.